Yone Giannetti Fonseca

POEMA PARA O FILHO QUE SE CASA


Que este sonho inaugurado
Em tua carne, em teus atos,
Não se dissolva, abstrato,
Ao contacto dos cactos.

Que este intervalo de orvalho
Em seu sorriso espelhado,
Mesmo exaurido, restaure
Futuras noites de barro.

E nas urgências vividas
Em teu sonhar acordado,
Um pouco, muito persista
Desta brasa, desta brisa.

Que no sonho consumado
Nos embaraços dos laços,
Reste um desfrute de vida
Como fruto da saudade.

MULHER – I


E agora, mulher,
Que soltou seus freios,
Que saiu dos eixos.

E agora, camélia,
Sua carne manchada,
Transada, se salva?

E agora, o pecado
Tão moderno e quente
Vai ter Happy-end?

E agora, mulher,
Você vai poder
Pisar firme e reta?

Borboleta bêbada
De vinho e desejo,
Depois desta entrega.

Depois deste incêndio,
Cadê seu sossego,
Cadê seu roteiro?

E agora, mulher,
Que você aborta,
Que você desbunda.

E que arromba portas
Erguendo um revólver,
E que faz negócios.

E que puxa fumo,
Você desconfia
Que tudo é um gemido?

E agora, mulher,
Nordestina, escória,
Que virou carioca?

Que virou miragem,
Robô, operárias,
Puta e favelada?

Tão trivial e exposta
Ao consumo e à sorte
De uma coisa morta?'

ENTRE O SONHO E O NOJO


Nenhum panorama
Além desta tarde
De cimento e lama

Nenhum desafogo
No jogo incansável
Entre o sonho e o nojo.

Nenhuma surpresa
No gozo da prenda:
Só cara ou coroa.

Nenhuma palavra
Tão desnecessária
Que não seja caça.

Somente o recalque
Desta virgindade
Disfarçada em atos.

Nenhum desenlace,
Apenas a lágrima
Inundando a alma.

À beira do rio
O mapa das praias
Como uma miragem.

Nenhuma verdade
Tão inteira e intacta,
Que não se descarte.

Somente o desastre
Deste com sem arte
De não ser abstrato.


Nenhuma memória,
Nenhum estandarte
Somente um ensaio

Que ninguém repara,
Sempre uma cachaça
Inundando a carne.