Antero de Quental

A Germano Meireles


Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia;
Em nada [um] imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.

Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remédio há [aí] senão ser triste?

Oh! Quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos só. E nada vira…
Mas, no que se não vê, labor perdido!

Quem fora tão ditoso que olvidasse…
Mas nem seu mal com ele então dormira,
Que sempre o mal pior é ter nascido!

A um poeta


Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

A João de Deus


Se é lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vã toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E só ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que há de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida;
Se procura, só acha... o desatino!

Só Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrêdo, o céu destino.

Amor Vivo


Amar! Mas
d um amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delírios e desejos
D uma doida cabeça escandecida...

Amor que viva e brilhe! Luz fundida
Que penetre o meu ser - e não só beijos
Dados no ar - delírios e desejos -
Mas amor...dos amores que tem vida...

Sim, vivo e quente! E já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia...

Nem murchará do sol a chama erguida ...
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores... se têm vida ?

Ad Amicos


Em vão
lutamos. Como névoa baça
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.

O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvai e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que  resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.

Filhos do amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d`um pressentir divino;

Mas num deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.